domingo, 18 de setembro de 2011

Segurança do Paciente e erros de medicação: a culpa é de quem?

O tema das nossas últimas aulas foi focado nos erros de medicação. Sobre este assunto recomendo a leitura dos artigos recomendados no plano de aula:

Lyra Júnior DP et al. Erro medicamentoso em cuidados de saúde primários e secundários: dimensão, causas e estratégias de prevenção. Rev Port Saúde Pública, 2010; Vol Temat(10) :40-6. Disponível em: http://www.ensp.unl.pt/dispositivos-de-apoio/cdi/cdi/sector-de-publicacoes/revista/2010/pdf/volume-tematico-seguranca-do-doente/5-Erro%20medicamentoso%20em%20cuidados%20de%20saude%20primarios%20e%20secundarios.pdf
Carneiro AV. O erro clínico, os efeitos adversos terapêuticos e a segurança dos doentes: uma análise baseada na evidência científica. Rev Port Saúde Pública, 2010; Vol Temat(10) :3-10. Disponível em: http://www.elsevier.es/sites/default/files/elsevier/pdf/323/323vVol%20Temat(10)n00a13189808pdf001.pdf

A questão dos erros tem sido investigada em vários sistemas de saúde, inclusive no Brasil. Em um estudo do tipo survey realizado por Miasso e colaboradores (2006) junto a profissionais de quatro hospitais brasileiros localizados nas regiões Centro-oeste, sudeste e nordeste, com o objetivo de identificar os tipos, causas, providências administrativas e sugestões percebidas por estes profissionais relativas aos erros de medicação, os autores encontraram os erros de prescrição e transcrição do receituário como os mais frequentemente relatados (em média 36,5%, segundo a opinião dos entrevistados). A maioria dos relatos cita problemas com a compreensão da letra dos prescritores, bem como inadequações e erros propriamente ditos nos medicamentos prescritos. Um aspecto preocupante diz respeito aos relatos de prescrições incorretas realizadas por estudantes de medicina (um fato que põe em cheque, não só a legalidade deste procedimento, bem como evidencia distorções no procedimento de acompanhamento da formação em serviço). Mas o estudo também demonstra que, pelo menos na percepção dos entrevistados, o problema atinge várias etapas do sistema de medicação e não se restringe apenas à problemas na prescrição. Foram encontrados erros de dispensação, de preparo e administração dos medicamentos, falhas nos fluxos de comunicação e erros devidos à (des)organização das unidades relacionadas à gestão dos serviços...A falta de atenção aparece como uma das principais causas dos erros que certamente comprometem a segurança do paciente.

Hoje, um programa jornalístico semanal (se é que se pode chamar assim) de grande audiência na TV brasileira mais uma vez apresenta uma reportagem sobre o assunto (de tempos em tempos a grande imprensa resolve dar atenção ao tema!). Tirando a dose de sensacionalismo que reportagens como esta imprimem e a tendência de atribuir a "culpa" para uma categoria profissional (a bola da vez é a enfermagem!), o problema existe e suspeitamos que seja bem mais sério do que se imagina, a despeito dos reais esforços de gestores públicos e privados no sentido de estabelecer procedimentos e padrões de prática que previnam e garantam a qualidade do cuidados e a segurança dos procedimentos.

Aliás a estratégia de tentar apontar culpados não resolve o problema. Quando olhamos para os setores das atividades humanas que adotaram uma perspectiva sistêmica do erro (como o setor energético termonuclear e a aviação civil) é possível aprender que quaisquer que sejam as ações para a prevenção dos erros de medicação, elas passam pelo estabelecimento de procedimentos simples, pela padronização de condutas, pela verificação constante de processos e também pela educação continuada. É preciso construir uma cultura de segurança, na qual todos estejam envolvidos e sintam-se co-responsáveis. Este é o caminho, tudo o mais serve apenas para apontar um "bode expiatório" e atender a sanha sensacionalista da mídia brasileira em gerar notícias com o intuito de ganhar a audiência da opinião pública.